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segunda-feira, 1 de julho de 2013

Santo Agostinho e a legitimação da fé cristã.


Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 4, Volume jul., Série 01/07, 2013, p.01-06.

Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.

Doutor em história social - USP.
MBA em Gestão de Pessoas - UNIA.
Licenciado em história - CEUCLAR.
Licenciado em filosofia - FE/USP.
Bacharel em filosofia - FFLCH/USP.


Introdução.
O cristianismo nasceu como uma seita que se destacava entre muitas outras oriundas do Oriente.
Começou humildemente, com um grupo de discípulos que haviam presenciado a vida terrena de seu mestre espiritual, Jesus Cristo, relatando o supostamente observado.
Os seguidores desta época eram pessoas humildes, cujos ensinamentos cristãos vinham ao encontro dos desejos e necessidades.
O gênio e a energia do apóstolo Paulo transformaram o cristianismo em uma liga de sociedades bem organizadas, espalhadas por todo o Oriente e que conseguiu abrir caminho até a Itália.
Partindo dos ensinamentos de Cristo, Paulo preparou as bases da teologia e escatologia cristã, construindo os fundamentos de uma Igreja Católica Universal.
Apesar da relativa penetração entre as camadas sociais mais pobres, tratando-se de convencer os letrados, a nova fé não obteve o mesmo sucesso.
Exatamente por esta razão, as comunidades cristãs entraram em choque com o poder civil da época, notadamente com funcionários que representavam o imperador romano.
Fazia-se necessário legitimar a fé cristã racionalmente.
Para atender a demanda, um dos pioneiros foi Orígenes, que estabeleceu uma conexão permanente entre religião e filosofia.
Seguido depois por Santo Agostinho, o grande responsável pela releitura da filosofia grega dentro do âmbito cristão.

A legitimação racional do cristianismo.
A única maneira encontrada pelos cristãos de tornar a sua doutrina inteligível, acessível e aceitável para as camadas mais abastadas da população foi legitimar a teologia através da antiga filosofia grega, esta conhecida e aceita, encaixando-se na intenção de persuadir e convencer racionalmente.
É dentro deste contexto que emergiu a figura de Aurélio Agostinho, mais conhecido como Santo Agostinho, o grande filosofo e doutor da Igreja Católica Ocidental.
Ela havia lido clássicos como Hortênsio, de Cicero (obra hoje perdida), centrada na profundidade do sentir e no poder compreensivo, inspirando a fundir o caráter especulativo grego com a praticidade latina.
Agostinho considerava a filosofia como solucionadora do problema da vida, ao qual só o cristianismo poderia fornecer uma solução integral.
Seu interesse estava, portanto, circunscrito aos problemas de Deus e da alma, visto serem os mais importantes e imediatos para a solução integral da questão da alma.
Partindo desta premissa, procurou legitimar a fé por meio da filosofia platônica.
Iniciou a superação do ceticismo mediante a doutrina grega, começando por conquistar uma certeza: a própria existência espiritual.
A partir deste pressuposto, chegou a uma verdade superior e imutável, condição e origem de toda vida particular.
Embora desvalorizando o sensível em relação ao intelectual, admitiu que os sentidos, como o intelecto, seriam a fonte do conhecimento.
Sendo necessário para visão sensível, além do olho e do que chamou de coisa, a luz física, do mesmo modo que a luz espiritual seria necessária para o conhecimento intelectual.
A luz espiritual proveria de Deus, sendo ele próprio manifestado através do verbo, para o qual transferiu as ideias platônicas.
No verbo de Deus existiriam as verdades eternas, as ideias, as espécies e os princípios formais das coisas.
Seriam modelos dos seres criados, o conhecimento das verdades eternas e as ideias das coisas reais que apreendemos através da luz intelectual que vêm do verbo de Deus.
Portanto, a percepção de tudo estaria vinculada com o inatismo, a reminiscência platônica.
Diferente de Platão, para Agostinho, o verdadeiro conhecimento não estaria somente nas ideias; mas sim também nas forças naturais do espírito vinculadas com a iluminação de Deus.
Este seria inteiramente intangível e transposto ao mundo puramente intelectual, o que criou a questão de como provar a existência de um Deus não palpável.

A existência de Deus e da alma.
Agostinho prova a existência de Deus através da fundamentação a priori, já que no espírito humano haveria uma existência deste ser.
Ao lado desta prova, não nega as relações a posteriori da existência de Deus, afirmando que a imperfeição e sua transformação seriam efeitos da relação com o espiritual.
A natureza de Deus seria o poder racional e infinito, visto que não poderia se medido; portanto, eterno e mutável, caracterizando o livre criador.
Uma hipótese antes excluída pelo pensamento grego, onde existia um dualismo metafísico, pois algo não poderia ser ao mesmo tempo racional e infinito, tampouco eterno e mutável.
Este dualismo só permanece na argumentação moral de Agostinho, especificamente na doutrina do livre arbítrio que pode conduzir ao pecado, fazendo o homem insurgir orgulhosamente contra Deus.
No cristianismo, o mal é, metafisicamente, negação da vontade de Deus.
Agostinho harmoniza este preceito com o platonismo, uma vez que não sendo o corpo mau por natureza, a matéria não pode ser essencialmente má, pois foi criada por Deus, que fez todas as coisas boas.
A união do corpo com a alma é acidental, nasce com o individuo enquanto criação divina.
Neste sentido, embora o copo seja mutável, a alma é eterna, sendo de natureza simples e parte da complexidade de Deus.

O livre arbítrio.
Segundo Agostinho, a vontade é livre, e pode querer o mal, pois é um ser limitado, podendo agir desordenadamente, imoralmente, contra a vontade de Deus.
Neste caso, a vontade humana é má; é única coisa má no mundo criado por Deus.
Portanto, não é causa eficiente da ação viciosa, uma vez que o mal não tem realidade metafísica.
O pecado tem em si mesmo a pena da desordem, já que a criatura não podendo lesar Deus, prejudica a si mesma, determinando e dilacerando sua natureza.
A vontade humana é impotente sem a graça de Deus, conciliando a causalidade com o livre arbítrio do homem.
Neste sentido, por exemplo, a escravidão não seria um direito natural, mas consequência do pecado original, que perturbou a natureza humana a partir da escolha pelo mal advinda do livre arbítrio.
A corrupção da natureza humana, no entanto, poderia ser superada pela transformação racional operada pela fé cristã.

Concluindo.
Santo Agostinho conciliou razão e fé, forjando uma racionalidade adequada para o convencimento dos intelectuais latinos.
Ao fazê-lo, resolveu o problema do mau, explicando-o como metafísico, negando sua realidade física, deslocada para o mundo espiritual.
Quanto ao mal físico, que atinge também a perfeição natural dos seres, procurou justifica-la mediante o contraste dos seres, o que contribuiria para a harmonia do conjunto.
Ele admite o mal moral, relegando sua causa a vontade do homem e não de Deus, caracterizado por privação do bem, resultante de uma escolha equivocada do livre arbítrio.
Seguindo este raciocínio, Agostinho exporia uma visão orgânica da história humana na obra A cidade de Deus.
A partir de uma visão grandiosa da história, propriamente teológica e não filosófica, traçaria uma doutrina cristã, unindo a religião com a filosofia antiga, revelando a interioridade racional do ser espiritual.

Para saber mais sobre o assunto.
AGOSTINHO. Os pensadores: volume Santo Agostinho. São Paulo: Abril, s.d.
ARIÈS, Philippe; DUBY, George (dir.). História da vida privada: volume 1. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
BOWDER, Diana. Quem foi quem na Roma antiga. São Paulo: Circulo do Livro, 1980.
PADOVANI, Umberto; CASTAGNOLA, Luís. História da filosofia. São Paulo: Melhoramentos, 1990.
ROSTOVTZEFF, M. História de Roma. Rio de Janeiro: Guanabara, 1983.

RESUMO: a parir de uma interpretação livre das obras de Santo Agostinho, pretende-se discutir a operacionalização da conciliação entre fé cristã e filosofia grega, considerando-se a questão da existência de Deus e da alma, além do problema do livre arbítrio.

Palavras-Chave: Santo Agostinho, Livre Arbítrio, Existência de Deus e da alma, Legitimação da fé cristã.

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Forte abraço.
Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.

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