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segunda-feira, 2 de abril de 2012

França Junior: comediógrafo e “outras cositas mais”.


Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 3, Vol. abr., Série 02/04, 2012, p.01-06.


Quem se interessa pela História do Teatro no Brasil, certamente, já ouviu falar deste personagem. Joaquim José da França Junior (1838-1890) ficou conhecido por escrever comédias como Caiu o Ministério!(1882), Como se Fazia um deputado (1882) e As Doutoras(1889).
Suas peças foram apresentadas, principalmente, no Rio de Janeiro, nas últimas décadas do reinado de D. Pedro II (1870 e 1880), mas também fizeram sucesso em outras províncias e, até hoje, podem ser assistidas em nossos palcos.
Recentemente, uma delas, “O Tipo Brasileiro”, serviu de inspiração para os dramaturgos Eduardo Rieche e Gustavo Gasparani escreverem o musical “Oui, Oui... A França é Aqui!” (2009), que rendeu a eles o Prêmio Shell de Melhor Autor.
O que poucos sabem é que França Junior foi muito mais que um comediógrafo da segunda metade do século XIX.
Durante a maior parte de sua vida, ele dividiu-se entre a carreira de folhetinista e de juiz de órfãos no Rio de Janeiro.
Trabalhou nos jornais mais importantes da corte como A Gazeta de Notícias, O Globo e O Paiz.
Em seu primeiro artigo para este último jornal, França Junior prometeu escrever sobre todas as coisas e “outras cositas mais”(O Paiz, 1884); e foi o que fez. Seus folhetins refletiam os mais variados aspectos da vida cotidiana do Rio de Janeiro, principalmente, de uma classe média urbana, a qual chamava “nossa boa burguesia”.


Origens e formação.
França Junior, filho de Joaquim José da França e Mariana Inácia Vitovi Garção da França, nasceu e batizou-se na freguesia de Santa Rita, Rio de Janeiro.
Conforme relatou em seus folhetins, perdeu a mãe ainda criança, sendo então criado pela avó: “santa velha [que] preenchia um vácuo imenso de uma mãe, que a fatalidade roubou-me no momento em que mais precisava de carinhos”.
Uma de suas maiores alegrias infantis eram as férias que passava na roça, tempos dos quais guardou felizes recordações, que, vez ou outra, se fizeram presentes em seus textos.
França Junior cursou seus estudos secundários no prestigiado Colégio Pedro II, onde se formou em 1856. No ano seguinte, mudou-se para São Paulo, onde estudou Direito, recebendo a carta de bacharel no início da década de 1860, quando já escrevia para periódicos acadêmicos e já havia iniciado sua carreira como dramaturgo.
Suas primeiras comédias foram representadas ali mesmo, na capital daquela província.
Ao retornar ao Rio de Janeiro, trabalhou na redação do Bazar Volante, periódico de caricaturas, que surgiu em setembro 1863, dirigido por Eduardo Reinsburg.
Em abril de 1867, iniciou sua carreira como jornalista e folhetinista no Correio Mercantil. Seu trabalho nestes dois jornais foi marcado por uma intensa satirização aos Gabinetes Ministeriais presididos por Zacarias de Góis e Vasconcelos (1815-1877), a partir de 1864. Conservador declarado, França Junior criticava, principalmente, o que ficou conhecido como Liga Progressista. Tendo Zacarias de Góis como seu principal representante, a Liga foi uma facção política que vigorou durante parte da década de 1860 e caracterizou-se por congregar liberais e conservadores dissidentes.


Posicionando-se ante a política Imperial.
França Junior referia-se à Liga em seu folhetim diário, utilizando-se dos adjetivos e comparações mais depreciativos, como por exemplo, ao igualar o “progressismo” a uma pipa de vinagre: “Para dentro da pipa vai tudo o que o taberneiro acha à mão. [...] Substâncias que já nada valem, completamente estragadas, o vendilhão delas se apropria, e faz o vinagre./ Conversemos agora leitor, bem baixinho, de modo que ninguém nos ouça./ - O que é este progressismo se não uma verdadeira pipa de vinagre?” (Correio Mercantil, 1868)
Quando a Liga Progressista caiu em 1868, e um ministério conservador ocupou o seu lugar, França Junior, que tanto lutou contra aquele inimigo, recebeu um cargo de secretário do governo provincial da Bahia, graças à indicação do senador Francisco Gonçalves Martins (1807-1872), o Barão de São Lourenço, que fora nomeado à presidência daquela província.
Apesar de ter feito amigos na capital baiana, o jornalista não ficou muito tempo em Salvador. Ao final do ano de 1869, os jornais já noticiavam a sua candidatura a deputado da Assembleia Provincial do Rio de Janeiro. Seria a primeira e última vez que este homem de letras pleiteava um cargo político.
Contudo, mesmo derrotado nas urnas, França Junior teve muito a comemorar nos dois anos seguintes. Já casado com uma moça que, possivelmente, conhecera na Bahia, e filha de um rico empresário, político e dono de jornal, chamado Ângelo Thomaz do Amaral (1822-1911), trabalhava, então, no Jornal da Tarde, e começava a ganhar fama como comediógrafo.


De volta a Corte.
A companhia Phênix Dramática apresentou neste período oito de suas comédias: Amor com Amor se Paga, O Defeito de Família, Direito por Linhas Tortas, Maldita Parentela, Tipo Brasileiro, A Lotação dos Bondes, Trunfo às Avessas e Três Candidatos.
Alguns desses textos foram publicados pela tipografia Americana, propriedade de seu sogro.
Mas o seu conhecimento a respeito da vida cultural e artística do Rio de Janeiro, certamente contribuiu para que fosse enviado, pouco depois, como crítico de arte, representante do Brasil na exposição de Viena, Áustria (1873).
Nessa ocasião, já exercia o cargo de Curador de Órfãos e ausentes da Corte.
Se, no início da década de 1870, França Junior havia começado a ganhar fama como comediógrafo, foi no início da década seguinte que atingiu o ápice de sua carreira como dramaturgo. “Como se Fazia um deputado” e “Caiu o Ministério!” renderam-lhe o título de verdadeiro escritor de comédias nacionais e garantiram noites de enchentes (como diziam à época sobre a lotação do Teatro) no Teatro Recreio Dramático. 


A pintura de paisagem.
Durante esses anos, o comediógrafo deu início a uma nova atividade, a qual se dedicaria até seus últimos dias de vida, e que se revelaria uma de suas prediletas, a pintura.
Começou por frequentar aulas de pintura com o aquarelista Benno Treidler e, mais tarde, em 1882, entrou na Academia Imperial de Belas Artes (AIBA) como aluno amador.
Participou, então, da Exposição Geral de Belas Artes (1884), considerada, uma das mais importantes exposições de Belas Artes no Rio Janeiro.
A comissão julgadora dos trabalhos, formada por Victor Meirelles (1832-1903), Pedro Américo (1843-1905) e João Maximiniano Mafra (1823-1908), em seu parecer, elogiou o trabalho do pintor amador: “O Sr. Dr. França Junior é um ilustre amador que estreou na atual Exposição com seis pequenos estudos do natural, que revelam em seu autor felizes disposições para a pintura de paisagem; talento cuja cultura não deve desprezar.”
Por essa participação, França Júnior recebeu uma menção honrosa, e seus colegas Giambattista Castagneto (1862-1900), Thomas Georg Driendl (1849-1916), Domingo Garcia y Vasquez (1859-1912) e Hipólito Boaventura Caron (1862-1892) também foram premiados. Esses dois últimos artistas, juntamente com Francisco Joaquim Gomes Ribeiro (1855? – 1900?) e Antônio Parreiras (1860-1937) foram os alunos que acompanharam seu mestre, o alemão Georg Grimm (1846-1887), quando de seu desligamento da AIBA, por não se adequar ao método tradicional de ensino da paisagem.
França Junior descreveu em um de seus folhetins a atitude do professor bávaro no primeiro dia de aula naquela instituição: “-Quem quer estuda vem comigo. Quem é vagabunda fica em casa. Eu não fica aqui. Atelier de paisagista está na meio da rua e na campo.”(O Paiz, 1885).
Conforme expressou diversas vezes em seus textos, o período em que esteve em contato com esses artistas, dedicando-se à retratação da natureza, foi um dos momentos mais felizes de sua existência.
Numericamente, a maior produção escrita de França Junior foi para o jornal O Paiz, onde escreveu de 1884 até o ano de sua morte, 1890.
Um ano antes de morrer, estreou seu maior sucesso para o teatro “As Doutoras”, comédia que foi motivo de polêmica nos jornais da época, quanto à sua originalidade.


A polêmica do plágio.
Tendo ultrapassado o meio centenário de apresentações, em uma época em que quinze representações da mesma peça já denotariam um sucesso, não há dúvida de que As Doutoras agradou o público.
O que não significa, porém que tenha passado imune a críticas e polêmicas.
Ao contrário, a esperança depositada naquele renascimento literário de França Junior (que não escrevia para o teatro há sete anos) levou àqueles mais desconfiados a acusarem o autor de haver plagiado uma comédia francesa de nome La Doctoresse, de Henri Bocage e Paul Ferrier, apresentada em 1885 no teatro Gymnase de Paris.
A afirmação partiu de um redator do Diário de Notícias.
A partir daí muitos críticos teatrais se apressaram em ler a comédia francesa enquanto a notícia rapidamente corria as ruas e as redações do Rio de Janeiro. Buscando desmentir aquela acusação foi publicado na Gazeta um resumo da La Doctoresse em que o enredo e os personagens desta história foram comparados com os da comédia de França Junior.
Ao mesmo tempo o Teatro Recreio Dramático anunciou traduzir e apresentar aquela comédia a fim de provar ao público a diferença entre as duas.
A Gazeta de Notícias repetia artigos publicados no Novidades e no Jornal do Comércio em defesa da originalidade do comediógrafo.
A partir da leitura da comédia francesa podemos perceber muitos pontos de semelhança entre essa e As Doutoras.
Contudo, seria muito dura uma acusação de plágio contra um autor de um período em que a cena nacional era composta por paródias, operetas e revistas de ano.
Gêneros herdados e reconfigurados à moda brasileira, do teatro Francês.
Pudéssemos aplicar graus de originalidade ao teatro produzido no período, poderíamos considerar que As Doutoras estavam bem à frente da maior parte das peças apresentadas nos demais teatros da corte naquele momento.


Concluindo.
França Junior foi um homem de múltiplas habilidades, transitou por diferentes ambientes da Corte da segunda metade do século XIX, e por isso sua produção letrada reflete seu olhar arguto sobre o dia-a-dia de uma cidade viva e pulsante.
Conhecido somente por sua produção teatral, esse personagem multifacetado perde a totalidade de seu brilho.
Conhecer esta “outra parte” de sua obra nos permite, inclusive, lançar um olhar diferenciado sobre suas tão conhecidas comédias, nos fazendo compreender melhor o que se passa nelas.
Conforme nos ensinou o historiador Robert Darnton em entrevista a Revista de História nº 61 (outubro de 2010): “Eu diria que, se você entende a piada, compreende também a cultura de onde ela vem. A piada é uma espécie de porta de entrada para um outro sistema cultural.”


Texto: Raquel Barroso Silva.
 Doutoranda em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora.
Analista em EAD do Centro de políticas Públicas e Avaliação da Educação - CAED/UFJF.

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