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quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Em torno das comemorações do sete de setembro: qual Independência?


Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 2, Volume set., Série 07/09, 2011, p.01-04.


Há palavras cuja grafia parecem misteriosamente encarnar um sentido.
Assim, “independência”, menos do que lembrar o Sete de Setembro, significa para muitas de nós autonomia, liberdade em relação a alguém ou alguma coisa, ausência de subordinação e imparcialidade diante de críticas.
Lendo a lista de sinônimos, fica-se com a impressão de que ela é quase como o grito do Ipiranga: é independência ou morte!
Mas mesmo que um sentimento vital nos empurre nesta direção, ser independente é bem mais complexo do que simplesmente respirar.
Podemos, por exemplo, nos enganar sobre o grau de independência que desejamos ter.
Sabemos, também, que mesmo os imbecis querem ser independentes ou que há milhares de maneiras de se sentir independentes.
Conclusão?
É mais importante defender um valor e um significado para sua independência, do que simplesmente decretar “independência ou morte”.


A independência como processo.
Só para refrescar a memória: a Independência, movimento por nossa liberdade, foi uma ação elitista.
Quase uma disputa entre aristocratas portugueses e elites brasileiras.
Ao romper com a antiga pátria-mãe, sagrando-se imperador a 12 de outubro de 1822, D. Pedro I reunia as várias províncias num único projeto.
O de esvaziar as cortes legislativas portuguesas, criando uma similar, nacional.
A medida deu certo e a ela se deve o sucesso do “grito do Ipiranga”.
É bom lembrar, contudo, que se não contasse com o apoio das elites cariocas, paulistas, mineiras, baianas e piauienses, o gesto passaria para a história, como mais um “berro” inconseqüente do autoritário D. Pedro.
Ao longo da história não faltaram grupos dispostos a reivindicar uma humanidade livre, desembaraçada de opressões, de dogmas ou de constrangimentos.
Multiplicaram-se os revolucionários desejosos de um mundo sem contradições, sem sofrimento, sem dores, fixados na excelência e na felicidade eterna.
Aqui e ali não faltou os que negaram o poder das autoridades, de Deus ou da família.
Os que proclamaram a morte da tradição ou da transcendência.
Todos serviram às suas consciências, mesmo sob o risco de prisão, tortura e mesmo fogueira.
No início do século passado, Freud via na atitude contestatória um valor positivo.
A revolta seria uma forma de interrogar-se sobre as normas vigentes, de inquietar-se, de colocar questões.
Mais. Ela traria em si a urgência de compartilhar laços e projetos, enfim, de olhar na mesma direção.
Concordo. Se houve mudanças ou revoluções na sociedade brasileira, elas foram feitas no sentido de criar redes que permitam a cada um de nós responder e exprimir a necessidade de solidariedade.
Diferentemente do comportamento das elites na Independência, voltadas para seus exclusivos interesses, mais e mais encontramos pessoas envolvidas com ações que implicam em trabalho solidário, voluntariado e projetos comunitários.
Num país onde persiste a confusão política e moral, a desigualdade, a violência, cresce o número dos que falam em cidadania, responsabilidade corporativa e sociedade sustentável.
É como se neste início de século, o sentimento de rebeldia fosse irmão gêmeo de outra palavra: compaixão. 
E tal forma de engajamento nos lembra, o tempo todo, que uma nação é feita de deveres e não apenas de direitos.
Um dos nossos deveres como cidadãos é o de nos inquietarmos.
O movimento Basta de violência, criado no Rio de Janeiro, é um bom exemplo.
Pena que suas faixas, ainda não tremulem nas favelas do Alemão ou Rocinha, ficando restritas aos prédios de uma aterrada Zona Sul da cidade.
Outra preocupação nasce da sensação de que estamos caminhando para a globalização por meio de um modelo no qual a liberdade significa adaptação à produção.
Mas esta não é a única versão para o conceito.


Concluindo.
Os filósofos contemporâneos mostram que a liberdade pode ser sinônimo de um eterno recomeço, um milagre de nascimento vivido por cada um de nós.
Por cada um que queira se questionar, ter compaixão pelo Outro e engajar-se em projetos solidários.

O importante é achar espaços sociais onde este milagre possa se reproduzir.

E, no Brasil, eles não faltam.

Desta perspectiva, ser independente significa bem mais do que ser livre para viver como se quer.
Significa, basicamente, viver com valores que façam a vida ser digna de ser vivida. Não basta um estado de espírito.
Não basta, como diz o samba, “vestir a camisa amarela e sair por aí”.
Tampouco, basta sentir-se autônomo, fazendo parte do bando.
É preciso algo mais.
Ora, um dos valores que vêm sendo retomado pelos filósofos e que cabe como uma luva nesta questão é o da resistência.
Na raiz da palavra “resistere”, se encontra um sentido: “ficar de pé”.
E ficar de pé implica em manter vivas, intactas dentro de si, as forças da lucidez.
Esta é uma exigência que se impõe tanto em tempos de guerra, quanto em tempos de paz.
Sobretudo, nestes últimos quando costumamos achar que está tudo bem, que está tudo “numa boa”.
Quando recebemos informações de todos os lados, sem tentar, nem ao menos, analisá-las e terminamos por engolir qualquer coisa.
Resistir como uma forma de ser independente é, talvez, uma maneira de encontrar um significado num mundo em que ficar de pé e melhor do que andar só.
Daí que para celebrar a independência - do país ou a nossa individual – vale mesmo é desconstruir o mundo, desnudar suas estruturas, investigar a informação. Fazer isto sem cansaço para depois termos vontade de, novamente, desejá-lo, inventá-lo e construí-lo.
De reencontrar o caminho da sensibilidade, diante de uma paisagem, ao abrir um livro ou a porta de museu.
Independência, sim, para defendermos a vida, para defendermos valores para ela, para que ela tenha um sentido. Independência de pé, com lucidez, com prioridades.
Clareza, sim, para não continuarmos a assistir, impotentes, o espetáculo de nossa própria impotência. 


Para saber mais sobre o assunto.
DEL PRIORE, Mary. O Livro de Ouro da História do Brasil. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002.


Texto: Profa. Dra. Mary Del Priore.
Doutora em História Social pela USP, com Pós-Doutorado na Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales (Paris/França).
Lecionou História do Brasil Colonial nos Departamentos de História da USP e da PUC/RJ.
Autora de vinte e nove livros e atualmente professora do Programa de Mestrado em História da Universidade Salgado de Oliveira - UNIVERSO/NITERÓI.
Membro do Conselho Editorial de "Para entender a história..." desde 14/01/2011.

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Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.

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