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sábado, 14 de maio de 2011

A teoria técnico-funcional da educação e os estudos de Althusser.


Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 2, Volume mai., Série 14/05, 2011, p.01-05.



Quando pensamos a educação pelo prisma da sociologia, duas tendências de analise fornecem importante contribuição: a teoria técnico-funcional e os estudos de Althusser.
São visões distintas que se complementam, pois enquanto uma se encaixa no paradigma do consenso, a outra está vinculada ao paradigma do conflito e a tendência marxista.
A teoria técnico-funcional da educação é um desdobramento da teoria funcional de Durkheim, estando dentro, portanto, do paradigma do consenso.
Já os estudos de Althusser pertencem a um conjunto teórico conhecido como neomarxismo, ambientado pelo paradigma do conflito.
Ambos estabelecem criticas ao sistema educacional formalizado, explicando muitos dos problemas registrados nas escolas.



A teoria técnico-funcional.
O conjunto teórico técnico-funcional poderia ser definido como uma tendência que enxerga no desenvolvimento técnico um fator que altera a organização social, remetendo ao conceito funcionalista de sociedade funcionando como organismo vivo.
Portanto, a sociedade seria semelhante a um organismo vivo, com papéis sociais bem definidos e necessários para o bom funcionamento da coletividade, porém, as estruturas sociais seriam definidas pelos avanças técnicos subordinados a educação.
A título de exemplo, grosso modo, uma função social relacionada a uma profissão, como operador de maquinas, poderia ser eliminada por uma maquina automática que não necessitasse de ninguém para operá-la.

Porém, neste caso, poderia criar outra função associada àquele que faria a manutenção da dita maquina ou que detém o conhecimento para produzi-la.

No âmbito da teoria técnico-funcional da educação, do funcionalismo e do paradigma do consenso, Clark (1962) e Kerr (1960) chegaram à conclusão que a importância da educação cresce na mesma medida que o conhecimento se expande e fica mais complexo.
A evolução tecnológica modifica o mercado de trabalho, exigindo da mão de obra maior qualificação educacional.
Para eles, a industrialização constrói sociedades democráticas e abertas, reguladas pela educação, meio efetivo de seleção e mobilidade social, baseado no mérito e status.
Segundo Collins (1971), as mudanças tecnológicas exigem mais habilidades para o trabalho, gerando maior demanda por educação, construindo sociedades baseadas no mérito.
Entretanto, ele salientou que a educação não aumenta necessariamente a produtividade no mundo do trabalho, nem garante a competência.
Outros fatores interferem no sucesso profissional, tal como o grupo étnico, o status socioeconômico, a influência da família ou a atitude.
Neste sentido, segundo Collins, a educação termina funcionando como critério de seleção, mas não fornece apoio real ao sucesso individual baseado no mérito.
Em outras palavras, o individuo precisa atingir determinado nível educacional para ingressar no mercado de trabalho, mas o fato de possuir o diploma ou mesmo o conhecimento não garante seu sucesso profissional.
Contrariando de certa forma a opinião de Collins, Blau e Duncan (1967), consideram o sucesso como sendo fortemente influenciado pelas origens familiares.
No entanto, este fator não seria inteiramente responsável pelo sucesso profissional, pois dependeria, além da educação ligada ao âmbito escolar e familiar, também da experiência.
Um indivíduo sem acesso a educação escolarizada, oriundo de uma família humilde, buscando se aprimorar empiricamente, poderia atingir um alto grau de sucesso no mundo do trabalho.
É o caso de autodidatas como o empresário Silvio Santos ou o ex-vice-presidente da República José de Alencar.
Porém, estudando as origens familiares de profissionais bem sucedidos, Karabel e Halsey (1978) não encontraram correlação entre sucesso e influencia da família, estabelecendo uma critica as afirmações de Collins, Blau e Duncan.
Para Karabel e Halsey, a partir de um estudo tendo como objeto soldados enviados a guerra do Vietnã, a escola seria essencial para conferir mérito profissional, tornando os indivíduos com maior grau de escolarização, melhor vistos pela sociedade e predispostos a serem reconhecidos como bem sucedidos na vida.
Hurn (1978) reexaminou a questão e chegou a uma conclusão diferente.
Para ele, apesar da origem familiar não garantir o sucesso, a escola também não garante mobilidade social, já que reproduz o nível de status do qual o individuo é originário.
Quando um indivíduo tem acesso a determinados níveis educacionais, ele só o tem graças a sua origem social.
Por outro lado, Folger e Nam (1964), comprovaram que, embora a escolaridade não garanta o sucesso profissional, garante maiores salários, comparativamente quando existe ausência de escolarização.




Os estudos de Althusser.
Louis Althusser (1918-1990), filosofo francês, uniu o marxismo com o estruturalismo, chegando a ser considerado um dos maiores representantes desta ultima tendência ao lado de Foucault e Lacan.
O autor pertence ao conjunto teórico conhecido como neomarximo, fazendo uso da dialética e do materialismo histórico, juntamente com outras bases teóricas.

Acabando por constituir um ecletismo que, muitas vezes, ao invés de rejeitar o capitalismo, parece querer aprimorá-lo.

Em todo caso, Althusser foi membro do Partido Comunista francês, filiado em 1948, além de professor da École Normale Supérieure.
Em 1980, ele teve um surto psicótico e estrangulou a esposa, não sendo condenado pelo assassinato.
A justiça o considerou inimputável, não responsável pelo ato em virtude do surto.
Apesar de passar a não ser bem visto pelos colegas acadêmicos, cinco anos depois escreveu a obra“L´avenir dure longtemps”, onde refletiu sobre o fato e procurou justificar o ato.
Como Althusser faz largo uso do estruturalismo, antes de prosseguir é interessante explicar a tendência.
O termo estruturalismo surgiu no curso de lingüística geral, ministrado pelo francês Ferdinand Saussure, em 1916.
Conceitualmente pode ser definido como um método de estudos que propõem analisar sistemas, portanto, estruturas, como base da língua e da cultura.
A cultura e a língua seriam definidas segundo um conjunto de significados contextualizados em um espaço e tempo, influenciando a estrutura sócio-cultural e padronizando comportamentos.
Dentro deste contexto, a preocupação central de Althusser é tentar entender a estrutura do sistema capitalista.
Mais especificamente, tenta entender como as condições de produção, no âmbito capitalista, conseguem se reproduzir, já que o sistema seria injusto e prejudicial à maioria.
Pensando na questão, o autor chegou à conclusão que a dinâmica de trabalho, assegurada pelo salário, seria o principal fator a reproduzir o sistema, comprando a lealdade do individuo para com a ideologia capitalista.
Para sobreviver, o individuo precisa de capital, sendo necessário abrir mão de suas convicções pessoais para conseguir seu salário, essencial a sobrevivência no mundo capitalista.




Superestrutura, Infraestrutura e Aparelhos de Estado.
Para garantir a subordinação do individuo ao sistema capitalista, segundo Althusser, existiria uma relação recíproca entre superestrutura e infraestrutura.
A superestrutura constitui o conjunto de estruturas ou instituições e sua inter-relação e dependência.
Onde, por exemplo, o judiciário depende da polícia e ambos do sistema carcerário para efetivar suas funções.
A infraestrutura compõe as condições materiais, as instituições em si, que garantem o funcionamento da sociedade.

O Estado, como parte da superestrutura faria uso de infraestruturas especificas para exercer controle sobre a massa, usando os seguintes elementos:

1. Aparelhos de Estado, composto pelo gerenciamento dos demais parelhos, tal como governo, administração publica, etc.
2. Aparelhos Ideológicos de Estado, os meios que são usados para exercer controle ideológico, vender ou impor idéias, através de instituições como igreja, escolas, sindicatos, meios de comunicação e até livros didáticos; mascarando a realidade e impondo a vontade das elites.
3. Aparelhos Repressivos de Estado, instituições que exercem domínio por meio da violência, tal como policia, tribunais, prisões, forças armadas; segregando aqueles que não aceitam as idéias impostas pelas elites.

Pensando nestes três elementos, Althusser defendeu a tese de que o mais eficiente e utilizado pelas elites dominantes é o conjunto de Aparelhos Ideológicos, do qual a escola faz parte.
Embora no período pré-capitalista a igreja tenha sido de fundamental importância para exercer controle sobre a massa, a evolução do capitalismo tornou a escola um instrumento de reprodução do sistema.
A função da escola seria assegurar à existência e sobrevivência do capitalismo, condicionando os indivíduos a submissão, beneficiando uma minoria.
Daí o sistema ter criado mecanismo que exigem a escolarização e que torna a educação formalizada obrigatória.
O controle dos Aparelhos de Estado pela elite termina garantindo que o grupo controle também os Aparelhos Ideológicos e Repressivos, criando uma harmonia entre ambos.
Diante deste cenário, Althusser não conseguiu enxergar na escola uma via de modificação das infraestruturas e da superestrutura.
Chegou até mesmo a negar a possibilidade de mudança, sem, entretanto, apontar uma saída para o problema.
Um ponto de seu trabalho visto pelos críticos como uma grande debilidade.
Além disto, apesar de sua postura anticapitalista, sendo Althusser considerado por alguns como um marxista e não um neomarxista, devido a sua vinculação com o estruturalismo, ele foi acusado de idealista.
Outro marxista, Caio Prado Jr., por exemplo, afirmou que Althusser ficava apenas teorizando de forma subjetiva, que suas teorias só eram aplicáveis no mundo das idéias e não serviam para nada.
Destarte, hoje, as idéias de Althusser são essenciais para entender a escola, servindo de suporte a inúmeras outras teorias.




Concluindo.
Enquanto a teoria técnico-funcional da educação discutiu o mérito da escola no sucesso dos indivíduos dentro do sistema capitalista.
Althusser tentou desmontar a estrutura do sistema capitalista, demonstrando como a educação está a serviço da reprodução social, mantendo a ordem estabelecida.
Contrapondo as duas tendências, podemos observar que nem sempre a escola garante possibilidades de mobilidade social, já que toda sua estrutura é pensada para ordenar a sociedade.
Porém, a questão é mais complexa, o que fez outros autores a retomarem a discussão, tal como Bourdieu, Passeron, Bowles e Gintis.
Uma coisa é certa, o acesso a educação formalizada de fato não garante o sucesso individual em uma sociedade consumista, sendo a própria escola um produto a ser consumido.
No entanto, sem acesso a educação de qualidade, as pessoas têm sua potencialidade de desenvolvimento diminuída.
Ruim com a escola, pior ainda sem ela.




Para saber mais sobre o assunto.
COSTA, Maria Cristina. Sociologia: introdução a ciência da educação. São Paulo: Moderna, 2004.
GOMES, Candido Alberto. A educação em perspectiva. São Paulo: EPU, 1994.
KRUPPA, Sonia. Sociologia da educação. São Paulo: Cortez, 2002.
MARTINS, Calos B. O que é sociologia. São Paulo: Brasiliense, 2004.
MEKSENAS, Paulo. Sociologia da educação: introdução ao estudo da escola no processo de transformação social. São Paulo: Loyola, 2005.
NÓVOA, Antônio. Relação escola e sociedade; novas propostas para um velho problema. São Paulo: Cadernos de Formação, 1994.
TOMAZI, Nelson Dacio. Sociologia da educação. São Paulo: Atual, 1997.




Texto: Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.
Doutor em História Social pela FFLCH/USP.
Bacharel e Licenciado em Filosofia pela USP.

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Forte abraço.
Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.

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